lunes, 27 de diciembre de 2010

Entrevista com Jesus Madrid, Presidente da ASITES (Associação Internacional dos Telefones da Esperança)

Na revista Cuerpo e Mente (por Angel Moya-Yvette)

"Ninguém pode ser feliz sem partilha"

Jesus Madrid, presidente da Telefone da Esperança, reflecte sobre o auxílio.

Viajámos para Murcia para visitar o centro de intervenção em crise mais importante da União Europeia. Sei que o Telefone da Esperança tem um espaço lá, com mais de 3.000 m2 a partir do qual cuida de pessoas em crise e promove a saúde emocional através de inúmeros cursos, workshops e grupos de desenvolvimento pessoal. Tudo isso assegurado de forma gratuita, profissional e anónima por centenas de voluntários, doações e anuidades, que financiam a maior parte do orçamento (49%), e com com subsídios (41%).

Recebe-nos o seu director, que é também o presidente da Associação Internacional Telefone Esperança, Jesus Madrid. Há quase 40 anos que se dedica a esta iniciativa pioneira que o seu irmão Serafin começou em Sevilha e que  está hoje presente em 24 províncias espanholas, em Portugal, na Suíça, no Reino Unido e onze países da América Latina. Pode orgulhar-se de suas conquistas (1.500 voluntários em Espanha, 8.700 doadores financeiros, 131 mil pedidos anuais ao serviço de telefone, 18.800 entrevistas pessoais, na sede ...) mas ele prefere aparecer como um homem comum, e evita qualquer protagonismo. Não é muito dado a entrevistas, diz ele. Percorremos os corredores, salões, salas, pátios e terraços do Centro. Numa grande gaiola, todos os tipos de pássaros cantando. Sob a clarabóia, borbulha uma fonte. E, perto do seu escritório, repousa sobre uma aparador um aquário multicolor. Tudo isso e um exuberante jardim devem acalmar os espíritos daqueles que vêm alterados. "Nós encaramos o centro como um encontro com a vida ", disse Jesus Madrid.

Nascido numa pequena cidade de Cuenca (Villar de la Encina,1938), é licenciado em Psicologia e em Filosofia e Letras, Padre Capuchinho e terapeuta de família, insiste em dissociar a sua fé do Telefone da Esperança, que é aconfessional. Os seus livros tornaram-se uma referência em termos de ajudar as pessoas de crise.

- Como se define?

"Considero-me uma pessoa comum. Interessam-me as pessoas, gosto deajudar os outros, e acho que tenho competências organizacionais.  Acredito que para sermos completos como pessoas, temos que sercapazes de dar aquilo que temos e, ao mesmo tempo, estarmos abertos para receber dos outros. Se não conseguirmos fazer algo pelos outros sem esperar nada em troca, existem áreas do nosso eu insatisfeitas. Também porque todos os dias recebemos muito das outras pessoas, da vida, do meio ambiente. Em grande medida, o que somos é o resultado de muitos presentes recebidos: vida, amor ... Nós estamos sempre em dívida para com os outros."

- Foi isso que o motivou a ajudar as pessoas?

"Sim. Por outro lado, também porque acredito que a minha fé se resume a isto: na tentativa de ajudar os outros. Acções falam mais alto do que palavras."
- Estar em contacto com tanto sofrimento quotidianamente não o desmoraliza?

"Não. O que podemos fazer por aqueles que sofrem? Há muita dor escondida no fundo de cada pessoa. Claro que não é agradável escutar aqueles que sofrem ou choram, mas eu sei que isso cura. Vejo com esperança. Em vez de ficar exausto, inspira-me, faz-me pensar que temos que continuar a inventar mais coisas e a começar novos programas. Se passássemos um terço do tempo que perdemos a falar sobre como as coisas estão más, à procura de soluções, poderíamos corrigir muitos problemas."

- Então não se cansa?

"Eu nunca me canso. É uma coisa linda e faz-nos sentir bem. Eu fui a muitos países e encontrei todos os tipos de pessoas que me têm as dito suas razões para querer cometer suicídio: às vezes, porque não podiam satisfazer suas necessidades básicas, mas, em muitos casos, porque deram o que tinham e isso fez com que se sintam frustrados. A grande maioria das pessoas que consideram o suicídio sente que a vida não tem sentido. E isso acontece porque não não se conseguem abrir aos outros, não se comunicam de forma saudável e não percebem que existem pessoas que precisam deles. Apesar de podermos ser úteis aos outros, não temos o direito de nos fecharmos em nós próprios.

- Muitos de nossos problemas são imaginários?

"Mas também geram sofrimento. O critério do que é sofrimento, não o tenho eu, tem-no a pessoa que sofre. Se algo é importante para ela, eu não lhe vou dizer que isso é não é importante. Talvez eu possa ajudá-la a encontrar uma outra forma de abordagem que não a faça sofrer assim. Mas, enquanto essa pessoa tem essas idéias, elas são muito dolorosas. Para nós, é real o que faz alguém sofrer."

NA PELE DE OUTROS

- Como cultivar a empatia com os outros?

"Não é que eu faça um propósito especial de cultivá-la. Tenho 72 anos e isso significa que eu vivi, vi, e compreendi. Além disso, pode haver alguma qualidade espontânea, natural, na minha capacidade de compreender outras pessoa e de me expressar assim que eu entendo. Mas todos nós temos isso, e podemos trabalhá-lo. Podemo-nos perguntar:Como me sentiria se me acontecesse o que aconteceu a esta pessoa?"

- Isso é suficiente para desencadear a capacidade empática?

"Pode fazê-lo de várias maneiras. O melhor é tratar primeiro as suas próprias feridas. Porque se não, ao invés de escutar a outra pessoa, apenas ouve a ressonância dos problemas que estão dentro de si, ouve os seus  próprios ruídos, e isso dificulta a escuta."

- De tudo o que viu e experimentou, o que você aprendeu?

"Resumidamente, eu acho que você não pode ser feliz sem compartilhar com os outros."

- E a nossa sociedade está a piorar? Ou é apenas um cliché?

"Acho que melhorou em geral. Se no século XIII, tivéssemos as armas atómicas que temos hoje, não restaria ninguém vivo no mundo. E como foram os direitos humanos no século XIX? Houve escravidão, uma coisa monstruosa! Quais são os direitos das mulheres? Quando fomos mais atenciosos com as pessoas com deficiência? Falta muita coisa para fazer, mas eu acho que o sentido de humanidade está a crescer. Hoje a dor dos outros dói." Às vezes o perigo é apenas o que acontece longe e não prestar atenção ao que acontece a seguir ...

Eu não acompanho de perto as catástrofes que passam nas notícias. O que faço é perguntar-me se há qualquer coisa que eu posso fazer? Se eu puder fazer, faço. Caso contrário, não gasto energia com isso.  Prefiro investir mais eficazmente numa pessoa que precisa ser escutada."

CORAÇÃO COM CABEÇA
- Qual é a chave para o sucesso do Telefone da Esperança?

"Primeiro, nós não inventamos os problemas: eles existem. E são os da rua, aqueles que fazem sofrem diariamente. Durante a Campeonato Mundial, é imediatamente perceptível a diminuição de chamadas. E além disso, levamos a sério os problemas das pessoas. Nós formamo-nos e trabalhamos muito a sério. Quando começamos a construir este centro de Múrcia, perguntava-me: "Se estivéssemos a construir um edifício para ganhar dinheiro, como é que iríamos fazer? Então, se o podemos fazer para ajudar pessoas que sofrem não pode ser menor. " É grande, bonita.

- Que critérios segue para seleccionar um voluntário?

"Dizemos-lhe: 'Se você é capaz de se entregar a isto da mesma forma que o faria se cobrasse, não é apto." Tomamos o voluntariado a sério, porque tomamos a sério o sofrimento. Acredito firmemente em sentimentos, mas também na cabeça. Querer ajudar só com a boa vontade pode causar danos. Precisamos de uma formação rigorosa."

- Os voluntários são tão importantes quanto as pessoas que estão a ser atendidas?

"Queremos que todos saiam enriquecidos. Isso não é se sentir bem, pois ajuda o outro. Não se trata de se sentir bem por que se ajuda o outro. Não é isso, porque quem ajuda também recebe.Você pode ter um motivo altruísta, mas é saudável estar-se aberto à dinâmica de dar e receber. Todos podemosenriquecer-nos a qualquer momento: de um companheiro, de uma pessoa que atendemos ...

De certa forma, eu posso ajudar, mas talvez a pessoa tenha algo que eu não tenho. É essencial vir aberto: a dar e a receber muitas coisas que os outros nos dão. "Não usamos os dispositivos de mãos-livres porque segurar o telefone, é como dar à pessoa na mão."

- Cobris uma lacuna na sociedade?

"Sim, porque há uma procura. Se alguém quer falar sobre futebol, você pode ir a um café. Mas onde podemos falar dos problemas normais de pessoas normais?"

ALGUÉM COM QUEM FALAR

- Pode ser porque se perderam os laços familiares, de vizinhança, ou de amizade....?

"Antes, havia mais contacto imediato com o outro. Ia-se apanhar ar fresco à rua e o vizinho sabia tudo o que se passava, embora houvesse também muitos problemas que se levava para o túmulo. O tipo de sociedade moderna tem muitas vantagens, mas tornou-nos mais independentes. As relações primárias têm diminuído e nota-se maior necessidade de se falar.

Também estamos preocupados com nosso bem-estar. Uma vez satisfeitas as necessidades materiais, começou a sentir-se que precisamos de relacionamentos mais maduros com os outros, sabendo quem somos e que a nossa vida tem sentido. Então, precisamos encontrar espaço para essas necessidades. É o que propomos: não espere a crise, incentivamos as pessoas a sentirem-se cada vez melhor.

- Isso deve ser feito na escola?

"Sim. E a partir de casa, da família. Os políticos enchem a boca com a palavra prevenção. Mas qual é a percentagem do orçamento geral é dado para promover a saúde emocional? Isso é lamentável. Ainda não é abordada de forma adequada. Mas é verdade que o Estado jamais será capaz de resolver todas as necessidades das pessoas em matéria de comunicação, afecto, etc. Portanto, temos todos em conjunto que trabalhar para criar uma outra cultura. Às vezes perguntam-nos se tiramos o emprego dos psicólogos profissionais. De jeito nenhum! Porque não é para poupar dinheiro que as pessoas não vão ao psicólogo, mas porcausa dos preconceitos. Aqui desmistificamos esses preconceitos."

- Contudo, o facto de haver pagamento pode ajudar o processoterapêutico?

"Essa é a teoria de Freud. Eu acho que é um mecanismo de defesa da profissão. Uma vez uma pessoa insistiu fortemente em que eu lhe cobrasse o atendimento. E como não desistiu dessa ideia, eu disse-lhe no final: 'Olhe, eu acho que você não tem dinheiro para me pagar".Ele sentiu-se um pouco ofendido e eu tive que esclarecer: "Você pode ter muito dinheiro para comprar o que se vende, mas não para comprar algo que lhe é dado gratuitamente". Há de tudo: pessoas que levam isto mais a sério se pagam e outros para quem saber que a ajuda é desinteressada faz ter mais responsabilidade. Há alguns que, eventualmente, voltam como voluntários.

- O anonimato pode ser uma das razões pelas quais o Telefone da Esperança funciona tão bem?

"Hoje pode ser dada menos importância à privacidade, mas o facto de que não se peça ao apelante o nome promove a sinceridade. A pessoa que escuta sabe o que quer dizer e nada mais."

- Queremos mais ser escutados do que orientados?

"Queremos alguém que nos escute, mas é sério. Que não nos julguem nem critiquem, ou nos digam no início da conversa o que temos que fazer. Talvez no final o peçamos. No primeiro momento, necessitamos de uma esuta de qualidade".

ESCUTA DE QUALIDADE

- Como definiria a escuta de qualidade?

"É tentar estabelecer a ligação com a pessoa e ver o problema através dos seus olhos. Acompanhá-la com carinho, para que repare na proximidade, que não está a ser julgada, que não nos choca, e perceba que não há muita diferença de uma pessoa para outra, e que independentemente dos erros ou dos problemas, ela tem valor."

- Como se mostra esse interesse?

"Principalmente através da linguagem não-verbal".

- E ao telefone?

Balançando a cabeça, dando mensagens destes para ouvir "sim, sim ..." "Não esperava isso ..." "Isso magoou-o muito ..." Muitas vezes, no final, a pessoa agradece e diz que o ajudou muito. E você pensa! "Mas eu não disse nada!", mas sim, disse. Porque se a escuta, se a atende, está a dizer-lhe que é valiosa."

- O telefone parece frio.

"Há alguns anos atrás, convenceram-me a comprar um equipamento mãos-livres para os voluntários atendiam o telefone. No fim das contas não utilizámos. Segurar o telefone, é como dar a mão à pessoa. E quando diz algo forte, sem perceber agarra mais fortemente o auscultador. É um aparelho frio, porque a pessoa está longe, mas é quente, porque pode ouvir a sua respiração. É muito difícil na vida comum ouvirmos a respiração de alguém. Tem que ser muito íntima, para que te possas aproximar tanto."

- Qual a percentagem das chamadas são relacionadas com uma tentativa de suicídio?

"Entre 6 e 8%. Em 90% de depressões graves, em algum ponto passa pela cabeça a ideia do suicídio.

- Mas se eles telefonam, ainda têm esperança.

"Claro. No fundo, estão a dizer: "dê-me motivos para evitar fazer o que eu estou a pensar em fazer." Muitas vezes, não se sabe se vai fazer ou só quer atenção. Mas na maioria dos casos, o problema é grave."

- Acredita-se que quem diz se vai matar, não comete o suicídio.

"Não é seguro. Todo o suicida disse-o. De alguma forma, deixou pistas para que você possa entender o que estava passando por sua cabeça. O que acontece é que às vezes a mensagem não é recebida. Por isso, o suicídio tem um poder culpabilizador tão grande."

RAZÕES PARA VIVER

- O que é a Esperança?

"Defini-la é complexo. Está intimamente relacionada com um sentido existencial, para ver que existem algumas tarefas que você pode realizar. O problema é quando uma pessoa não tem razão para viver. Então, sim, é muito difícil activar-lhe a esperança. Mas eu percebi que aquilo a que a maioria das pessoas responde, nestes casos, é a possibilidade de ajudar os outros. Há que fazê-as pensar se a sua dor pode ser útil. Na verdade, essa é uma questão muito sensível para as pessoas.

As receitas sobre quais são as coisas que pode utilizar para motivar cada pessoa não estão em nenhum livro. Pode-sefalar dos casosem que a inspiração tem ajudado, mas outra vezes não funciona. É por isso que é importante perceber o que toca cada pessoa.

- Qual é o futuro do Telefone da Esperança?
"Por um lado, vai chegar a mais localidades e países. No próximo ano, comemoramos o nosso 40º aniversário, mas queremos arranjar torcicolo de tanto olhar para trás para a nossa história. Há novos desafios. Estamos a trabalhar para ter um serviço permanente de Internet, pensando nos hispano-luso-falantes. O futuro do Telefone da Esperança não é o telefone. São a Internet e as novas tecnologias.

- Mas a Internet não vai ouvir a respiração.

"Vamos ter que instalar um microfone. A nossa ideia é chegar a mais pessoas. Os adolescentes não nos chamam muito, mas agora a internet vai atrai-los. A cultura está indo nessa direção. O que temos feito até agora é muito valioso, mas há muita capacidade ociosa nas pessoas. E se não adá, ela apodrece. Queremos potenciar que mais pessoas possam dar para que mais pessoas possam receber."

Entrevista en Español

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